Necessidade de capital de giro: o que é? Como calcular? Como reduzir usando previsão de demanda

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Quer entender melhor como a necessidade de capital de giro (NCG) pode afetar a saúde financeira do seu negócio e como é possível otimizá-la para evitar prejuízos? Veja a seguir.

O que é necessidade de capital de giro?

A Necessidade de capital de giro (NCG) ou Necessidade de Investimento em Giro (NIG) é o valor de capital necessário para financiar a operação de uma empresa.

Ou seja, é basicamente o dinheiro que uma empresa precisa para continuar funcionando no dia a dia.

Podemos considerá-la como o combustível que mantém a empresa rodando. Afinal, esse é o valor usado para pagar as contas e adquirir o que for necessário para que a empresa consiga vender seus produtos ou serviços.

Cenário de juros altos e necessidade de giro

O setor varejista brasileiro tem enfrentado desafios significativos nos últimos dois anos, especialmente entre as empresas mais alavancadas.

Temos diversos exemplos recentes, como a Lojas Marisa, que enfrentou dificuldades financeiras devido à combinação de altos custos operacionais, baixo desempenho nas vendas e uma carga de dívida substancial.

Outro exemplo é a gigante do varejo Americanas, que, à parte de suas inconsistências contábeis, também enfrentou pressões financeiras devido ao ambiente competitivo e a necessidade de investimentos para se adaptar ao cenário do comércio eletrônico.

Vale recapitular que o Fluxo de Caixa Operacional da Americanas / B2W praticamente não trouxe resultados positivos nos últimos 10 anos. Além disso, a Tok&Stok vem enfrentando desafios semelhantes, com a necessidade de reestruturar sua dívida para lidar com um ambiente econômico desafiador.

Esses exemplos ilustram os problemas enfrentados pelas empresas varejistas brasileiras, especialmente aquelas com níveis mais elevados de alavancagem, destacando a importância de uma gestão eficiente do capital de giro e a necessidade de estratégias para reduzir a necessidade de financiamento e as despesas financeiras.

Se o cenário já era desafiador, os altos juros básicos no Brasil desde o início do período contracionista (outubro/21) nos últimos exerce um impacto ainda mais devastador sobre a rentabilidade e despesas financeiras dos varejistas.

Quando os juros estão elevados, o financiamento do capital de giro se torna mais oneroso, seja através de aportes de capital próprio ou retenção de lucros, ou por meio de dívidas.

Por um lado, quando o varejista financia seu giro pelo patrimônio líquido, ele enfrenta uma redução no retorno ao acionista (ROE), já que o capital próprio alocado para o capital de giro não é direcionado para outras oportunidades de investimento mais rentáveis ou até para distribuir aos sócios.

Por outro lado, se o varejista se financia através de dívida, ele sofrerá uma pressão ainda maior sobre as despesas financeiras quando os juros estão mais altos, aumentando as despesas financeiras e agravando a necessidade de recursos adicionais. Essa combinação de aumento das despesas financeiras e redução do ROE pode colocar uma pressão significativa sobre a saúde financeira da companhia.

Como calcular a necessidade de capital de giro?

Dentro deste cenário, é importante entender como calcular a necessidade de investimento em giro (NIG) dentro do cenário varejista.

A Necessidade de capital de giro é calculada pela diferença entre o Ativo Circulante Operacional (ACO) e o Passivo Circulante Operacional (PCO).

O ACO inclui o estoque, que representa o valor monetário dos produtos mantidos em estoque para venda aos clientes. Além disso, o ACO também inclui as contas a receber, que são os valores monetários devidos pelos clientes à empresa pelos produtos ou serviços já vendidos. Por outro lado, o PCO engloba as contas a pagar, que são as obrigações financeiras da empresa com fornecedores e outras dívidas de curto prazo relacionadas às operações do varejista (não devem ser incluídas nesse cenário dívidas financeiras).

A NIG é calculada subtraindo o PCO do ACO. Se o resultado for positivo, indica que a empresa precisa de capital adicional para financiar sua operação. Por outro lado, se o resultado for pequeno ou negativo, significa que a empresa não precisa de capital de giro para sua operação, ou até que financia a companhia através do passivo operacional (no caso de NIG negativa; um exemplo clássico disso é a Ambev que possui alguns bilhões em caixa liberados por conta de um capital de giro bastante negativo). O setor varejista tradicionalmente possui uma intensidade de investimento em giro bastante alta (NIG / Receita Anual > 20%). Basicamente isso significa que mais de 20% da receita que o varejista possui fica parada para capital de giro, e este dinheiro é financiado através de patrimônio líquido (capital dos sócios), de dívida (capital de terceiros) ou de uma combinação de ambos. No primeiro caso, afeta negativamente o ROE (Lucro Líquido / Patrimônio Líquido) pois aumenta o patrimônio líquido; no segundo caso, aumenta as despesas financeiras, reduzindo o Lucro Líquido.

Ao calcular e analisar a NIG, os varejistas podem identificar a quantidade de capital necessário para financiar suas operações e adotar estratégias adequadas de gerenciamento de capital de giro. Isso inclui a gestão eficiente do estoque, a melhoria das políticas de cobrança para reduzir as contas a receber em atraso e a negociação de prazos de pagamento favoráveis com fornecedores.

Essa abordagem ACO-PCO proporciona uma visão mais ampla da saúde financeira e do desempenho operacional do varejista, permitindo a identificação de oportunidades para otimizar a gestão do capital de giro e reduzir a dependência de financiamento externo.

Fatores de impacto

Resumidamente, a Necessidade de Investimento em Giro é influenciada pela Receita (quando a empresa cresce, ela puxa mais capital de giro) e pelo ciclo de caixa. De forma simplista, o ciclo de caixa representa o período necessário para converter os recursos financeiros investidos em estoque de volta em dinheiro por meio das vendas. Um ciclo de caixa mais longo, devido a práticas como estoques excessivos ou prazos de pagamento muito curtos aos fornecedores, tende a aumentar a NIG, exigindo mais capital para financiar as operações diárias. Por outro lado, um ciclo de caixa mais curto, com uma gestão eficiente do estoque e políticas de crédito e cobrança ágeis, pode reduzir a NIG, liberando capital e melhorando a eficiência financeira da empresa varejista. 

Reduzir a NIG é uma forma de curto prazo da companhia para se financiar sem precisar de capital adicional dos sócios nem capital de terceiros. Ou seja, é uma ótima tática em momentos de juros altos como o que estamos vivendo agora.

Algumas formas que o varejista possui para reduzir seu ciclo de caixa e consequentemente sua necessidade de capital deinvestimento em giro são:

  • Aumentar prazo médio de pagamento:
    • Negociar prazos de pagamento mais favoráveis com fornecedores.
    • Implementar estratégias de gestão de fornecedores, como consolidar compras para obter melhores condições de pagamento.
  • Prazo médio de recebimento:
    • Estabelecer políticas claras de crédito e análise de risco para clientes.
    • Monitorar de perto as contas a receber e adotar medidas efetivas para cobrança de pagamentos em atraso.
    • Realizar melhores negociações com empresas de adquirência (pagamentos através de cartão).
  • Prazo médio de estocagem:
    • Analisar e otimizar a demanda de produtos para evitar estoques excessivos.
    • Melhorar a previsão de demanda por meio de análise de dados e uso de tecnologias adequadas.
    • Implementar um sistema eficiente de controle de estoque, com monitoramento regular e gerenciamento de inventário.
    • Reduzir preços ou criar promoções para os produtos com muitos dias de estoque. Normalmente neste cenário, é comum solicitar ao fornecedor que ele financie parte dessa redução, especialmente se o produto era uma aposta conjunta.
    • Melhorar a apresentação na loja dos produtos com muitos dias de estoque.

Influência da gestão de estoque no capital de giro

Estratégias para alongar o prazo médio de pagamento podem vir com contrapartidas como aumento de preço de compra, e a depender do porte do varejista possuem alta dificuldade de implementação devido à força dos fornecedores. As alternativas para reduzir o prazo médio de recebimento dos clientes também possuem certa dificuldade pelo mesmo motivo citado, já que as adquirentes são um mercado mais concentrado com normalmente um bom poder de negociação e as condições oferecidas para os clientes não podem ser muito restritas para atender as condições de mercado.

Das alternativas destacadas acima, a gestão de estoque é a que mais depende do esforço próprio do varejista mas merece um destaque alguns riscos de reduzir demasiadamente os dias de estoque:

  • Risco de falta de estoque: Se o prazo médio de estocagem for reduzido drasticamente, pode haver um risco maior de falta de produtos (ruptura) para atender à demanda dos clientes. Isso pode resultar em perda de vendas e insatisfação dos clientes.
  • Risco de custos logísticos mais altos: Uma redução excessiva no prazo médio de estocagem pode exigir que os varejistas aumentem a frequência de reposição de estoque. Isso pode levar a um aumento nos custos logísticos, como transporte e armazenamento, especialmente se não houver eficiência nas operações de abastecimento e distribuição.
  • Risco de menor poder de negociação com fornecedores: Quando os varejistas solicitam prazos mais curtos de entrega e reduzem seus níveis de estoque, podem ter menos poder de negociação com os fornecedores. Os fornecedores podem impor condições menos favoráveis, como preços mais altos ou prazos de pagamento mais curtos, o que pode afetar a rentabilidade da empresa e também o próprio capital de giro.
  • Risco de oscilações na demanda: Uma redução excessiva no prazo médio de estocagem pode deixar os varejistas mais suscetíveis a oscilações na demanda. Se houver flutuações imprevistas na demanda, pode ser difícil ajustar a reposição de estoque a tempo, resultando em estoques insuficientes.

Desta forma, é importante entender um nível de estoque saudável, acompanhar o indicador e tomar ações baseadas em informação para conseguir ter um nível menor de estoque mas sem incorrer nos riscos supracitados.

Utilizando previsão de demanda e precificação para reduzir necessidade de capital de giro

Entre diversas ações e processos recorrentes para redução dos dias de estoque, destacam-se três principais e uma proposta de passo-a-passo. Vale retomar que estas ações fazem sentido desde que haja uma meta definida e acompanhamento para dias de estoque, que não seja tão alta a ponto de continuar exigindo muito capital de giro e nem tão baixa a ponto de deixar suas lojas em ruptura:

  1. Aumentar vendas de produtos com baixo giro e alto estoque (focar em precificação):
  • Analisar os produtos com baixo giro e alto estoque, identificando aqueles que estão com maior dificuldade de venda.
  • Realizar uma análise de precificação, considerando os custos envolvidos, margens de lucro desejadas e o preço de mercado dos concorrentes.
  • Avaliar a possibilidade de aplicar descontos ou promoções específicas para estimular a demanda desses produtos.
  • Monitorar regularmente os resultados das estratégias de precificação e ajustar conforme necessário, buscando encontrar o equilíbrio entre maximizar as vendas e preservar a lucratividade.
  1. Realizar previsão de demanda dos produtos para possuir um nível de estoque entre um limite mínimo e máximo:
    • Utilizar métodos de previsão de demanda, como análise de histórico de vendas, dados de mercado e elasticidade de preço.
    • Determinar um nível mínimo de estoque que garanta a disponibilidade dos produtos para os clientes sem gerar excessos.
    • Estabelecer um nível máximo de estoque com base na capacidade de armazenamento, custos de manutenção do estoque e prazos de validade dos produtos.
    • Acompanhar regularmente as vendas e comparar com as previsões de demanda, ajustando os níveis de estoque conforme necessário para evitar escassez ou excesso de produtos.
  2. Realizar previsão de demanda dos produtos em promoção para evitar super estoque e ruptura:
    • Identificar os produtos que serão promovidos e identificar a previsão de demanda para o determinado nível de preço que será praticado.
    • Utilizar técnicas de previsão de demanda específicas para produtos em promoção, considerando fatores como o histórico de vendas durante promoções anteriores e o impacto esperado das ações promocionais atuais.
    • Acompanhar de perto os resultados das promoções, diariamente, e monitorar os níveis de estoque, ajustando a reposição de estoque ou a exposição do produto conforme necessário para evitar a falta de produtos ou a acumulação excessiva de estoque.

Abaixo, um exemplo do módulo de simulações de demanda do IPA – Software de Precificação da InfoPrice, mostrando, a partir de uma alteração de preço e levando em consideração a elasticidade do produto, qual será a demanda esperada:

Tela de funcionalidade de previsão de demanda do IPA - Software de Precificação, que é um dos recursos citados para a redução da necessidade de capital de giro

Melhoria de rentabilidade para o varejo

Quando um varejista consegue reduzir o prazo médio de estocagem, há potenciais benefícios financeiros que podem levar a uma melhoria na rentabilidade do negócio. Aqui estão algumas maneiras pelas quais a rentabilidade pode melhorar:

  1. Redução de custos de capital de giro: Ao reduzir o prazo médio de estocagem, o varejista reduz a quantidade de capital de giro necessário para financiar o estoque. Isso resulta em menores custos financeiros relacionados à captação de recursos para manter o estoque, como juros sobre empréstimos ou custo de oportunidade de utilizar recursos próprios. Com menos capital de giro amarrado no estoque, o varejista pode alocar esses recursos em outras áreas do negócio ou utilizá-los para investimentos mais rentáveis.
  2. Melhoria na eficiência operacional: Uma redução no prazo médio de estocagem implica em uma gestão mais eficiente dos produtos e da cadeia de suprimentos. Isso pode levar a uma diminuição de desperdícios, obsolescência e perdas relacionadas a produtos encalhados ou fora de validade. Além disso, uma gestão otimizada do estoque resulta em uma operação mais ágil e flexível, melhorando o atendimento aos clientes e reduzindo custos operacionais.
  3. Melhoria na margem de lucro: Ao reduzir o prazo médio de estocagem, o varejista pode evitar a necessidade de fazer liquidações ou promoções drásticas para reduzir estoques excessivos. Com uma gestão eficiente do estoque e previsões de demanda mais precisas, o varejista pode manter preços de venda mais estáveis e evitar a pressão por descontos excessivos que prejudicam a margem de lucro. Além disso, a disponibilidade adequada de produtos resultante de um prazo médio de estocagem reduzido pode melhorar a fidelidade dos clientes e estimular vendas adicionais. Vale destacar também que liberar capital de giro exige menos capital oneroso na companhia, reduzindo as despesas financeiras ou o capital dos sócios alocado, e desta forma aumentando a rentabilidade.

É importante ressaltar que a redução do prazo médio de estocagem não é uma solução isolada e depende de uma abordagem holística na gestão do varejo. Uma análise detalhada das características do negócio, alinhada a uma estratégia de precificação adequada, previsão de demanda precisa e uma gestão eficiente da cadeia de suprimentos, é fundamental para obter os benefícios financeiros e a melhoria da rentabilidade.

Também vale lembrar que a redução da necessidade de capital de giro é apenas uma das possíveis maneiras de otimizar a rentabilidade no varejo. Existem diversas estratégias de precificação inteligente que podem contribuir com este resultado. Confira outras dicas em nosso blog.  


Marcus Roggero é diretor de produto e tecnologia na InfoPrice. Um dos fundadores da InfoPrice, empresa de tecnologia especializada em precificação no varejo físico, com foco em coleta de preços de mercado, analytics e software para precificação.

Este conteúdo foi baseado na aula de Finanças Corporativas do Professor Flávio Malaga, sócio da MÁLAGA  – Finanças corporativas e professor de Finanças Corporativas do INSPER.

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